A (nova) Lei da Saúde Mental: O que muda?

Newsletter: A (nova) Lei da Saúde Mental: O que muda? - agosto 2023

“Artigo elaborado no âmbito do estágio de verão de contacto com a advocacia”

 

Na sequência da crise pandémica da Covid-19, assistiu-se a um crescente e mais aberto debate sobre a saúde mental.

No passada dia 20 de Agosto entrou em vigor a nova Lei da Saúde Mental – Lei n.º 35/2023, de 21 de Julho –, medida que se insere na reforma desta área, proposta pelo Governo, até 2026. Esta, veio substituir a legislação anterior de 1998, e estabelece os princípios essenciais e os pontos centrais para a abordagem da saúde mental. Além disso, reconhece os direitos e obrigações daqueles que necessitam de cuidados a esse nível, assim como regula a restrição desses mesmos direitos e assegura as garantias necessárias para proteger a liberdade e autonomia dos mesmos.

 

O que é ser “inimputável”?

O termo “inimputável” é utilizado para descrever quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz de avaliar a ilicitude do facto que praticou ou de se determinar de acordo com essa avaliação. É de realçar que aos inimputáveis não são aplicadas penas, mas sim medidas de segurança, que podem ser privativas da liberdade – como é o caso do internamento.

 

Fim da prisão perpétua para inimputáveis?

De acordo com a legislação anterior, era possível que o internamento de inimputáveis fosse prorrogado por períodos sucessivos de dois anos, podendo ultrapassar o limite máximo da pena de prisão e durar mais do que 25 anos. Isto na prática criava uma figura análoga à da “prisão perpétua”, uma vez que alguém poderia ver-se privado da sua liberdade com uma duração ilimitada ou indefinida. Agora, com a revogação do artigo 92.º n. º 3 do Código Penal pela nova lei, tal já não é possível, verificando-se, desde já, a tradução efetiva desta mudança, na libertação de cerca de 40 pessoas.

De qualquer forma, o n.º 2 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa parece não descartar essa possibilidade, pois se quem avalia o quadro clínico considerar que estamos perante um “caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente”.

Não obstante, é relevante mencionar que agora a periodicidade da revisão obrigatória da situação do internado é de 1 ano, encurtando assim o prazo para metade, que até então era de 2 anos.

 

A nova nomenclatura:
Tratamento involuntário vs. Internamento compulsivo

As palavras e os conceitos associados, podem psicologicamente falando, influenciar todo o desenrolar de um processo que se quer inclusivo e com sucesso. Este facto, com certeza levou o legislador a alterar a nomenclatura, até agora utilizada, “internamento compulsivo” para “tratamento involuntário”. A preferência pela expressão “Tratamento Involuntário” torna a abordagem mais amigável e menos negativa, destacando o foco no tratamento médico, em vez de enfatizar a restrição, com grandes possibilidades de marcar socialmente o individuo por um longo período de tempo. A lei continua a permitir o internamento compulsivo, que como já vimos é agora chamado de "tratamento involuntário". Sendo que, com a nova lei, este já não depende exclusivamente de decisão judicial, podendo ser decretada ou confirmada por autoridade judicial, em ambulatório ou em internamento. Contudo, traz alguns pressupostos mais apertados que devem estar verificados de modo a sujeitar a pessoa ao tratamento involuntário, nomeadamente:

  • A existência de doença mental;
  • A recusa do tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar a existência de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais:
    • De terceiros; ou
    • Do próprio, quando a pessoa não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento. Isenção custas processuais Ainda é de mencionar que agora estão isentos do pagamento de custas processuais os processos de tratamento involuntário de pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental (cf. artigo 51.º do Regulamento das Custas Processuais).

Em jeito de conclusão, a relevância desta nova lei dá-se tanto pela ênfase que traz no bem-estar individual, ao colocar a pessoa no centro dos cuidados, reconhecendo a sua individualidade, autonomia e necessidades específicas, como na redução do estigma associado à saúde mental – o que pode encorajar mais pessoas a procurar ajuda e apoio.

 

Dra. Maria Eduarda Andrade
Lic. em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa.

 

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